quarta-feira, 22 de julho de 2009

"ELE É ELE"


Mesmo tendo qualidades éticas fora do comum, mesmo esmagado por toda sorte de sofrimento e mesmo sem entender a gritante desarmonia entre uma coisa e outra, o homem da terra de Uz tinha uma noção muito clara e abençoadora da soberania de Deus. O livro que leva seu nome revela essa certeza logo no início.

Imediatamente após a sucessão de desgraças — a perda de todos os bens (11.500 cabeças de gado) e a morte trágica dos dez filhos num único dia —, Jó prostrou-se, rosto em terra, em adoração, e disse: “O Senhor o deu, o Senhor o levou; louvado seja o nome do Senhor” (Jó 1.21).

Se não é comum atribuir a Deus o que temos e tudo o que somos, é mais raro atribuir à soberania de Deus a perda de tudo o que temos e a perda de tudo o que somos. Essa é outra evidência do sólido relacionamento que Jó mantinha com o Senhor.

A noção da soberania de Deus estava profundamente enraizada em Jó. Era uma bagagem que ele carregava em qualquer circunstância. Encontrava-se tanto no interior como na superfície, tanto no coração como nos lábios. Era uma espécie de calmante que o ajudava a suportar os duros e seguidos revezes. Era uma espécie de andador que o ajudava a caminhar sempre ao lado do Senhor, sem se indispor com ele. Era o suporte que o mantinha vivo apesar da verborragia arrogante e massacrante de seus três amigos e de Eliú. Era a rocha sobre a qual Jó construiu a sua casa religiosa, de forma que ela não ruísse sob a pressão dos ventos contrários. Era a armadura de Deus com a qual Jó poderia resistir a Satanás e às demais potestades do ar.

Em um de seus discursos de defesa Jó fez uma preciosa confissão de fé na soberania de Deus (capítulo 12):
“Em sua mão está a vida de cada criatura e o fôlego de toda a humanidade” (v. 10).
“O que ele derruba não se pode reconstruir; o que ele aprisiona ninguém pode libertar” (v. 14).
“Despoja e demite os sacerdotes e arruína os homens de sólida posição” (v. 19).
“Derrama desprezo sobre os nobres, e desarma os poderosos” (v. 21).
“Dá grandeza às nações, e as destrói; faz crescer as nações, e as dispersa” (v. 23).
“Priva da razão os líderes da terra, e os envia a perambular num deserto sem caminhos” (v. 24).

Jó enxergava a absoluta soberania de Deus no plano físico (capítulo 9):
“Ele transporta montanhas [...] e as põe de cabeça para baixo” (v. 5).
“Ele sacode a terra, e a tira do lugar” (v. 6).
“Fala com o sol, e ele não brilha; ele veda e esconde a luz das estrelas” (v. 7).
“Só ele estende os céus e anda sobre as ondas do mar” (v. 8).

Mas, de todas as muitas declarações da soberania de Deus, espalhadas em seus numerosos discursos, a que mais chama a atenção é aquela em que Jó encerra qualquer discussão sobre o assunto, com apenas três enfáticas palavras: “Ele é ele!” (23.13). Ou seja, frente à soberania de Deus, já não há o que declarar. Deus é Deus e pronto, cale-se toda a terra!

Vejamos esse pronunciamento em outras versões: “O que sua alma deseja é o que realmente faz” (Bíblia Hebraica); “Ele quer uma coisa e a realiza” (Bíblia do Peregrino); “Sua vontade, o que ela decidir, isto o fará” (Tradução da CNBB); “Ele faz o que bem lhe agrada” (Edição Pastoral Catequética). Na paráfrase da Bíblia Viva, o texto é um pouco mais longo e mais explicativo: “Tudo que ele quer, ele faz. Não há remédio! Deus vai fazer comigo tudo o que planejou, inclusive coisas que ainda estão para vir”.

Entre os atos soberanos de Deus que estavam para vir, um deles seria uma agradabilíssima surpresa para Jó: o Todo-poderoso poria um ponto final em seu sofrimento e mudaria totalmente a sua sorte (42.10-16). Então Jó poderia acrescentar mais uma pequena manifestação da soberania de Deus naquele primeiro pronunciamento sobre a questão (1.21): O Senhor o deu, o Senhor o levou e o Senhor o trouxe de volta. E de forma mais completa: o Soberano Deus me deu tudo o que eu tinha, o Soberano Senhor levou tudo o que havia me dado e o Soberano Senhor me devolveu em dobro tudo o que havia levado.

A certeza da soberania de Deus sobre tudo e sobre todos produz sobrevivência em meio aos infortúnios, à dor, à incompreensão alheia, à doença, à morte, aos poderes das trevas e às monstruosas estruturas hostis a Deus e ao homem. Nem o mundo nem a história estão acéfalos, por isso podemos ter esperança. Assim como Jó, teremos surpresas, pois “olho nenhum viu, ouvido nenhum ouviu, mente nenhuma imaginou o que Deus preparou para aqueles que o amam” (1 Co 2.9). Não é verdade também que “os nossos sofrimentos atuais não podem ser comparados com a glória que nos será revelada” e que “a própria natureza criada será libertada da escravidão da decadência em que se encontra” pelo Soberano Senhor (Rm 8.18-21)?


AUTOR: Elben M. Lenz César

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